A redução de emissões do setor de transporte – responsável por 11% dos gases de efeito estufa no Brasil – pode avançar de maneira imediata com tecnologias já disponíveis e testadas em outros países. Caminhões e ônibus movidos a gás natural e biometano surgem como alternativas capazes de diminuir tanto o CO2 quanto os materiais particulados, principal agente da poluição do ar urbano.
Foi o que indicaram especialistas brasileiros e internacionais que participaram do painel “Descarbonização da Matriz de Transporte Brasileira: Soluções Efetivas para a Agenda Climática Global”.
O painel, que teve mediação do jornalista Dimmi Amora, diretor da Agência iNFRA, foi realizado no palco “Cosan apresenta: Economia Verde”, no Summit Agenda SP+Verde. O evento pré-COP30 foi organizado pelo Governo de São Paulo, Prefeitura de São Paulo e USP (Universidade de São Paulo).
Na ocasião, os participantes da discussão reforçaram que a transição energética no transporte passa pela diversificação de modais, mas também pela adoção de soluções escaláveis no curto prazo. Nesse contexto, o gás natural e o biometano apareceram como alternativas imediatas para reduzir emissões com infraestrutura já existente.
A experiência da Colômbia
O caso colombiano foi apresentado como exemplo de transformação rápida. Segundo Luz Stella Murgas, presidente da Naturgas (Associação Colombiana de Gás Natural) e líder regional da União Internacional do Gás (IGU na sigla em inglês), programas de substituição de diesel por gás natural reduziram até 80% das emissões de poluentes em cidades como Bogotá.
Na capital do país, 30% da frota de transporte coletivo por BRT, o TransMilenio, é abastecida por gás natural. Segundo ela, energia renovável não está sendo utilizada apenas para substituição, mas para atender nova demanda que está surgindo de forma crescente.
Luz listou três pontos para os países fazerem essa transformação de maneira eficiente: aproveitamento de recursos naturais de maneira responsável; materialização de projetos de infraestrutura energética com arcabouço de regras estáveis; e adoção de incentivo econômico.
“O Brasil vai competir com investimentos que vão para Caribe, Colômbia, Argentina, México, Europa e outros locais”, completou, ao defender as condições para ampliar a transição energética.
Gás natural como vetor imediato – e ponte para o biometano
Demétrio Magalhães, CEO da Edge, empresa do grupo Cosan criada para trazer mais eficiência e flexibilidade ao mercado de gás natural, avaliou que o Brasil tem “espaço enorme para ampliar o uso de combustíveis com menor pegada de carbono no transporte”. De acordo com ele, apenas 1,5% da matriz de transporte é abastecida por gás natural, enquanto em outros países esse índice chega a mais de 20%.
“O gás natural é um vetor imediato de descarbonização, capaz de substituir o diesel no transporte pesado, com redução de até 25% das emissões de CO2 e de 90% de materiais particulados. E quando somamos o biometano, esse impacto é ainda maior”, afirmou o executivo.
Magalhães explicou que o gás natural e o biometano são a mesma molécula, CH4, o que permite o uso da mesma infraestrutura e tecnologia em veículos e indústrias. “O gás natural abre o caminho para o biometano. O blend entre os dois, como já ocorre entre o etanol e a gasolina, é uma solução imediata para promover a descarbonização e dar escala ao biometano”, disse.
Infraestrutura, escala e competitividade
A Edge tem concentrado esforços em ampliar a infraestrutura necessária para esse avanço. Entre os projetos, estão:
- o TRSP (Terminal de Regaseificação de São Paulo), em Santos, com investimento de R$ 1 bilhão;
- a maior planta de purificação de biometano do país, em Paulínia, com capacidade de 225 mil m³/dia;
- soluções de GNL (Gás Natural Liquefeito) para indústria e transporte pesado.
Para Magalhães, escalar o mercado depende de ampliar oferta e demanda simultaneamente. “O Brasil vive um desafio clássico: precisamos de mais demanda para ampliar a oferta, e de mais oferta para viabilizar novos consumidores. Parcerias público-privadas e políticas estaduais como incentivos ao uso de GNV [Gás Natural Veicular] e biometano têm papel decisivo”, afirmou.
Ele também destacou que o custo elevado do gás decorre principalmente da infraestrutura e da tributação: “A molécula não é cara. Em muitos casos, mais de 80% do custo ao consumidor está na cadeia, não no energético”, disse o executivo ao defender mais eficiência no escoamento e na infraestrutura de transporte.
Visão do setor público e da indústria automotiva
Na avaliação do secretário estadual de Parcerias em Investimentos do Estado de São Paulo, Rafael Benini, o transporte brasileiro ainda é fortemente dependente das rodovias e precisa investir em diferentes modos para reduzir as emissões, explorando de forma mais ampla o potencial de matriz energética sustentável.
Benini destacou que, embora haja avanços na transição energética do setor de transportes, os grandes ganhos na redução das emissões se darão na substituição da frota a diesel nas áreas urbanas. Para ele, é fundamental expandir o transporte coletivo, com mais redes de metrô e trens, e frota de ônibus a gás ou elétricos.
“Munique, na Alemanha, tem metade da população de Campinas, e tem duas linhas de metrô”, exemplificou. Ele afirmou ainda que é preciso aumentar os pontos de abastecimento de gás biometano para o transporte público e investir em GNL.
Jennie Cato, diretora global de Assuntos Públicos e Relações Governamentais do TRATON Group – Scania, multinacional sueca de caminhões, revelou que a empresa divulga na COP30, em Belém (PA), carta para que países tenham plano para descarbonizar frotas pesadas.
“Somos parte do problema, mas também da solução, por isso trabalhamos em parceria com clientes e governos para garantir mais competitividade”, diz.
Para a executiva, que destacou a necessidade de ampliar parcerias entre todos os setores, aquisições públicas de caminhões que usam combustíveis menos poluentes podem ser feitas de forma inteligente e numa escala maior, complementando que a Scania tem opções de veículos sustentáveis, movidos a biometano e elétricos. Em sua fala de encerramento, Cato lembrou ainda da necessidade da urgência em soluções para a descarbonização devido às mudanças climáticas.
Urgência e oportunidade
Para os especialistas, o Brasil tem condições de liderar a agenda de descarbonização do transporte pesado na América Latina, combinando disponibilidade de gás natural, potencial de biometano e necessidade urgente de reduzir emissões urbanas.
A mensagem final do painel foi clara: soluções já existem, são viáveis e podem começar a ser implantadas imediatamente, desde que haja coordenação entre governos, empresas e indústria.
Fonte: agenciainfra.com
