A Reforma Sindical é de suma importância para o futuro do mundo do trabalho no Brasil. Nosso sistema sindical, concebido no século passado, precisa urgentemente ser repensado. Uma reforma sindical que combata a proliferação desordenada de sindicatos e imponha critérios objetivos para sua criação, sobretudo nas regiões metropolitanas.
Atualmente, o Brasil conta com mais de 17 mil sindicatos registrados. Esse número é desproporcional em comparação a outros países com economias similares ou até mais complexas. Por exemplo, a Alemanha possui cerca de uma dezena de grandes sindicatos nacionais, altamente representativos e organizados. Nos Estados Unidos, o número também é significativamente menor – em torno de 190 – e os sindicatos possuem atuação mais centrada e estratégica.
Essa fragmentação sindical enfraquece a representação dilui o poder de negociação coletiva. Em vez de termos entidades fortes, coesas e legítimas, temos uma multiplicidade de siglas que, muitas vezes, existem apenas no papel ou atuam em defesa de interesses alheios aos dos trabalhadores ou aos das empresas.
A existência de milhares de sindicatos, sem base territorial ou econômica sólida, favorece a criação de entidades fantasmas, muitas delas com fins meramente arrecadatórios o que compromete a credibilidade do movimento sindical e afasta os trabalhadores e empresas de suas entidades representativas.
Nosso atual sistema sindical permite que as entidades possam se desconcentrar em outras baseadas no critério geográfico tendo por base o módulo municipal. Tomemos como exemplo o estado de Minas Gerais que possui 853 municípios. Em tese e baseado no princípio da unicidade e de que o município é a menor base sindical, poderíamos ter 853 entidades sindicais econômicas e outras 853 entidades sindicais profissionais para ficarmos apenas no exemplo do transporte rodoviário de cargas, com base neste critério.
Todavia, este número pode ser ainda maior se considerarmos que existe o critério de categoria específica, reduzindo aquela entidade mais abrangente como por exemplo um sindicato que representa trabalhadores do transporte rodoviário pode ser dividido entre sindicato dos trabalhadores do setor administrativo, sindicato dos motoristas e sindicato dos movimentadores de carga e assim por diante.
O que era apenas um, passou a ser três, pela desconcentração de categoria. O crescimento ou o surgimento de entidades por subdivisão ou desconcentração pode ser exponencial.
A par do enfraquecimento que estas subdivisões representam ocorre a necessidade de controle administrativo confuso e oneroso para empresas que precisam lidar com diferentes representações e modalidades de contratos coletivos em diferentes bases territoriais onde ela possuir filial lidando, ainda, com a dificuldade permanente de enquadramento sindical de sua atividade, muitas vezes resolvido apenas por decisão judicial. Para empresas que possuem mais de uma atividade preponderante, o enquadramento sindical é tarefa ainda mais complexa, muita vez havendo necessidade de recorrer à via judicial para se conhecer o correto enquadramento.
A Reforma como Ferramenta de Fortalecimento da Representação
Uma verdadeira reforma sindical deve ter como objetivo o fortalecimento da representação dos trabalhadores e dos empregadores. Para isso, é necessário racionalizar o número de sindicatos existentes. Não se trata de suprimir o direito à organização, mas de assegurar que a representação sindical seja exercida por entidades com real capacidade de atuação, legitimidade e representatividade.
Nesse sentido, é necessário que a reforma contemple critérios objetivos para a criação de novos sindicatos, tais como, exemplificativamente e não se limitando a eles:
(i) Base territorial mínima e coerente, com limites à criação de sindicatos em regiões metropolitanas saturadas, abrangência territorial maior extinguindo-se o modulo municipal e ausência de desconcentração de categoria;
(ii) Representatividade mínima comprovada, com número mínimo de filiados ativos, preservação da autonomia sindical, ausência de financiamento compulsório;
(iii) Exigência de atuação comprovada, com prestação de contas, atuação em negociações coletivas, defesa dos interesses da categoria e criação de modelos de prestação de serviço exclusivamente aos seus representados que permita, ao mesmo tempo, o financiamento da entidade;
(iv) Mecanismos de fusão e incorporação sindical, incentivando a unificação de entidades com atuação sobreposta de modo a não ocasionar o esfacelamento da representação de categoria econômica ou profissional.
Regiões Metropolitanas: Uma Realidade à Parte
As regiões metropolitanas apresentam um cenário particularmente emblemático, é uma figura prevista na própria Constituição Federal, onde a alta densidade populacional, complexidade das cadeias produtivas, interação urbana e mobilidade social faz com que a pulverização sindical se manifeste de forma mais aguda. É comum encontrarmos diversos sindicatos que representam categorias idênticas ou similares dentro de um mesmo estado, município ou região metropolitana, apenas pela cissiparidade de funções que exclui a abrangência maior ou a atividade preponderante da empresa, ocasionando divergências entre trabalhadores de uma mesma empresa, por conta de regulação diferente entre municípios circunvizinhos.
Esse fenômeno reduz drasticamente a capacidade de articulação e negociação, gerando disputas internas, perda de foco na agenda sindical e, muitas vezes, favorecendo práticas oportunistas. A reforma sindical precisa reconhecer essa realidade e estabelecer mecanismos que limitem a criação de sindicatos nessas áreas, exigindo maior densidade sindical para novas entidades com melhor coordenação sindical.
Uma Nova Lógica para o Sistema Sindical Brasileiro
A atual lógica sindical brasileira é anacrônica. O modelo unicista, ainda que superado pela realidade, deixou como herança a mentalidade da reserva de mercado sindical e a cultura da fragmentação. A reforma precisa caminhar em direção a um modelo de liberdade sindical responsável e com base em representatividade real.
É preciso migrar para um sistema que valorize sindicatos fortes, legítimos e com capacidade técnica para representar suas bases. Isso passa, necessariamente, pela criação de regras rígidas para o registro sindical, fortalecimento da negociação coletiva e institucionalização de instrumentos de aferição da representatividade, com limitação territorial além do modulo municipal e proibição de fragmentação da categoria. O modelo de categoria mais específica, com a dissociação da categoria, não se mostrou adequado, especialmente quando a inovação tecnológica mostra o surgimento de novas funções e desaparecimento de outras. É preciso um modelo que tenha condição de bem acompanhar as novas e múltiplas relações de trabalho.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 8º, assegura a liberdade sindical, mas também prevê a unicidade sindical, permitindo a existência de apenas um sindicato por categoria profissional ou econômica em cada base territorial. No entanto, a prática tem demonstrado que essa regra não tem sido eficaz para evitar a proliferação de sindicatos, porquanto a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 570 permite a criação de novas entidades, por conta do processo dissociativo de uma categoria abrangente para outra mais específica, o que contribui para a fragmentação da representação sindical.
A Lei nº 13.467/2017, conhecida como Reforma Trabalhista, trouxe mudanças significativas para o movimento sindical, como a extinção da obrigatoriedade da contribuição sindical que impactou diretamente o financiamento dos sindicatos, levando muitos a buscarem alternativas para sua sobrevivência, e em vários casos, resultou na extinção de outros.
Este reflexo acabou sendo anulado com o retorno, por decisão judicial, da contribuição sindical, com o direito de oposição, muitas vezes cerceado por manobras impeditivas, mas que não impediu a volta de entidades sem nenhum significado representativo. Não podemos continuar reféns de um sistema sindical que, em vez de atender os interesses dos trabalhadores e dos empregadores, muitas vezes se presta a fins secundários ou particulares. A reforma sindical deve ser um passo corajoso na direção de um sistema mais eficiente, representativo e justo. Devemos enfrentar o desafio de conter a proliferação descontrolada de sindicatos e de reorganizar o sistema com base em critérios objetivos, mais abrangentes e limitadores de partição. Só assim teremos um sindicalismo à altura dos desafios do mundo do trabalho do século XXI.
Paulo T. do Nascimento
Advogado e Consultor Jurídico